Leitura fácil e que permite boas noções sobre esse vasto país. Roberto DaMatta antes de tudo nos situa de que no Brasil há uma clara divisão da compreensão de três coisas: a casa, a rua e o trabalho.
A rua é o local do trabalho, do Estado , das leis e também da surpresa, da tentação e do lazer. Casas são habitadas por famílias cujo núcleo é constituído de pessoas que possuem a mesma substância. A mesma carne e o mesmo sangue que legitimam um nome comum e sugerem interesses, tendências, bem como um destino compartilhado. O mundo exterior ou "público", medido pela competição e pelo anonimato, onde as coisas são imediatamente trocadas por dinheiro, é substituído por favores e presentes cujo retorno chega a longo prazo e sem cobranças, naquilo que chamamos de confiança, de amor e de lealdade, esses valores maiores da nossa concepção de parentesco. Em casa somos marcados por supremo reconhecimento pessoal. Como a casa não é governada pelas leis escritas do Estado, que sempre mudam, ela tem uma referência muito mais confiável do que as instituições públicas. Nossos almoços de domingo continuam os mesmos, ao passo que mudamos muitas vezes de regime político, de moeda... (Páginas 14 a 27)
A mistura, a farofa brasileira
No século XVII, Antonil escreveu: "O Brasil é um inferno para os negros, um purgatório para os brancos e um paraíso para os mulatos". No Brasil, o ambíguo é reinterpretado como um dado positivo na glorificação da mulata e do mestiço como sendo, no fundo, uma síntese perfeita do melhor que pode existir no negro, no branco e no índio. . O Brasil ultrapassa os dualismos nele contidos. Entre nós, a lógica exclusiva do dentro ou fora; do certo ou errado; do homem ou mulher,; do casado ou separado; de Deus ou Diabo; o preto ou branco não ajuda muito. Pois sempre existe um terceiro termo ou um elemento mediador. Isso é muito claro na discussão do nosso racismo, orque entre a oposição negro e branco há uma multidão de tipos intermediários e não um espaço vazio, como no caso dos sistemas discriminatórios sul-africanos e americano. Nos Estados Unidos, na lógica de Antonil, o mulato é a revelação corporificada do pecado e de uma vergonhosa intimidade entre as camadas sociais iguais, mas que deveriam permanecer separadas. Do mesmo modo que as leis de uma sociedade igualitária e liberal não admitem o "jeitinho"ou o "mais ou menos", as relações entre os grupos sociais não podem admitir a intermediação — a negação do indivíduo que é o centro legal e moral do sistema. Daí, a nossa crença de que não temos preconceito racial, mas social, o que tecnicamente é a mesma coisa. (Páginas 21 e 23)
Comida e alimento
No Brasil, comer diferencia-se do mero ato de alimentar-se. Os americanos, que "comem para viver", inventaram o fast-food (alimento rápido) e, assim, comem em pé, sentados, com estranhos ou amigos, sós ou acompanhados. Mas, nós, brasileiros, que não esquecemos o viver para comer, sabemos que nem tudo o que alimenta é gostoso ("tem paladar") ou é socialmente aceitável. Com isso sabemos que nem tudo o que é alimento é comida. Alimento é tudo aquilo que pode ser ingerido para manter a pessoa viva; comida é tudo o que se come com prazer, de acordo com as regras mais nobres de preparo, serviço e comensalidade. O alimento é a moldura; mas a comida é o quadro, aquilo que é valorizado dentre os alimentos; o que deve ser saboreado com os olhos e, depois, com a boca, o nariz, a boa companhia e, finalmente, a barriga. (Páginas 29 a 31)
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