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domingo, 29 de março de 2015

A Marca Humana, The Human Stain

Este talvez tenha sido um dos livros que mais marcou a minha formação literária até agora. Senti-me compelida a esgotá-lo e ao mesmo tempo a nunca terminá-lo. O que Philip Roth faz com seus pensamentos transcende o poder da escrita, mas conversa com seu íntimo. 


Ao se dar conta de que não tinha mais seu pai para circunscrevê-lo e defini-lo, sentiu-se como se de repente todos os relógios à sua volta tivessem arado e fosse impossível saber que horas eram. (Página 141). 

Ele adora segredos. O segredo de ninguém saber o que se passa dentro de sua cabeça; ele podia pensar o que quisesse que ninguém jamais descobriria. 

Ela não era poeta, comentou com um riso; era somente uma pessoa saltando por dentro de um aro em chamas. (Página 150 e 151). 

O modo como a visita poderia ter terminado — a conclusão que a realidade havia vetado em caráter definitivo — era a única coisa que ele conseguia pensar. Aturdido ao constatar, que não havia conseguido esquecer dela, nem ela dele, caminhava e compreendia algo que antes só havia entendido em suas leituras de tragédia grega clássica: como é fácil a vida virar de um lado em vez de virar para o outro, como é acidental o destino de uma pessoa... em contrapartida, como o destino pode parecer acidental quando as coisas não podem deixar de ser o que são. Ou seja, Coleman caminhava sem compreender nda, ainda que imbuído da ilusão de que teria compreendido metafisicamente alguma coisa muitíssimo importante a respeito da sua teimosa decisão de determinar seu próprio destino se...se fosse possível compreender essas coisas. (Páginas 163 e 164) 

"Se ele bota no cu dela, ele garante a lealdade da moça. Seria uma espécie de pacto, um pacto entre os dois. Mas não houve esse pacto." (Página 190)

"É o cu que gera lealdade" (Página 192) 

Porque não sabemos, não é? Todo mundo sabe...Como é que as coisas acontecem do jeito que acontecem? O que está por trás da anarquia da sequência de eventos, as incertezas, os infortúnios,  incoerência, s irregularidades chocantes que definem os assuntos humanos? Ninguém sabe, professora Roux. 'Todo mundo sabe' é a invocação do clichê e o início da banalização da experiência e, a seriedade e o tom de autoridade que as pessoas adotam ao se repetir esse clichê é o que é mais insuportável. O que sabemos é que, ao contrário do que se diz o clichê, ninguém sabe nada. Não se pode saber nada. As coisas que você sabe, você não sabe. Intenção? Motivo? Consequência? Significado? É surpreendente, quantas coisas desconhecemos. Mais surpreendente ainda é o que passa por conhecimento. (Página 266)

"Não fica achando que o negócio é o amanhã. Fecha as portas todas, antes e depois. Todas as maneiras sociais de pensar, fecha tudo. Tudo isso que a maravilhosa sociedade está pedindo? O nosso lugar na sociedade? 'Eu tenho que fazer isso, eu tenho que fazer aquilo? Manda tudo à merda. O que você tem que ser, o que você tem que fazer, essas coisas, isso é o que mata tudo. Eu posso ficar dançando, se o barato é esse. O momento secreto — se é isso que é o barato. A fatia que se ganha. Aquela fatia de tempo. É só isso, es espero que você entenda. 

— Dança mais." (Página 292)

Tem muita coisa que eu não sei direito, mas uma coisa eu sei: ficar até o dia seguinte tem algum significado. O que as putas lhe ensinaram, a grande sabedoria das putas: 'Os homens não pagam para a gente dormir com eles. Eles pagam pra gente ir embora'. (Páginas 300 e 301) 

Ela precisa entender a intertextualidade. Isso quer dizer que ela é uma fraude? Não! Isso quer dizer que ela é uma inclassificável. Em outros círculos, isso até lhe conferiria uma certa mística! Mas um fim-de-mundo atrasado como aquele, basta ser um pouco inclassificável para que todo mundo se sinta incomodado. (...) Ser inclassificável aqui, ser alguma coisa que eles não conseguem entender, é condenar-se a um tormento constante. (Página 344)

Despatriada, isolada, distanciada, confusa a respeito de tudo o que é essencial a uma existência, num estalo desesperador de anseio cego e por todos os lados cercada de forças antagônicas que a vêem como o inimigo. E tudo isso porque ela decidiu com determinação buscar uma vida que fosse só sua. Tudo isso porque teve a coragem de se recusar a aceitar a visão convencional de si mesma. Ela imagina ter subvertido seu próprio eu num projeto admirável de autoconstrução. A vida é uma coisa um bocado mesquinha, por pregar tamanha peça nela. Bem no fundo, é uma coisa muito mesquinha e vingativa, que impõe destinos que não obedecem às leis da lógica, porém seguem um capricho perverso de antagonismo. Quem ousa se entregar a sua própria vitalidade termina se vendo como se nas mãos de um criminoso implacável. Vou para a América para me tornar autora de minha própria vida, diz ela; vou construir a mim mesma fora da ortodoxia imposta pela minha família, vou lutar contra essa ortodoxia, vou levar ao limite a subjetividade passional, o individualismo no que ele tem de melhor — e eis que ela termina sendo personagem de um drama que foge ao seu controle. Termina autora de nada. Ela sente o impulso de dominar as coisas, e a única coisa que termina sendo dominada é ela mesma. (Páginas 346 e 347)

Pensando que o motivo pelo qual ela não consegue arranjar um homem americano, e sim que ela não consegue compreender esses homens e que nunca vai conseguir compreendê-los é o fato de que ela não é fluente. Por mais que ela se orgulhe de sua fluência, por mais fluente que seja, ela não é fluente! Eu acho que os compreendo, e compreendo, sim; o que eu não compreendo não é  o que eles dizem, e sim o que eles não dizem, tudo o que eles não estão dizendo. (Página 350)

Embora o mundo esteja cheio de pessoas que andam por aí achando que sabem perfeitamente tudo a respeito de nós, o fato é que nunca se chega ao fundo daquilo que se desconhece. A verdade a nosso respeito é infinita. Tal como as mentiras. Preso entre uma coisa e outra, pensei. Denunciado pelos pretensiosos, escorraço pelos santarrões — e por fim exterminado por um louco furioso. Excomungado pelos salvos, pelos eleitos, pelos eternos evangelistas dos costumes do momento, e por fim eliminado por um demônio implacável. As duas exigências humanas encontravam seu ponto de encontro nele. O puro e o impuro, com toda a sua veemência, em ação, tendo em comum a mesma necessidade do inimigo. Cortado ao meio, pensei. Cortado ao meio pelos dentes hostis deste mundo. Pelo antagonismo que é o mundo. (Página 398)




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